UGC: como as marcas driblam influenciadores para pagar menos por publicidade
UGC: como as marcas driblam influenciadores para pagar menos por publicidade
Maria Eduarda Amaral*
Nos últimos anos, o marketing de influência experimentou um crescimento explosivo. O mercado deve movimentar 24 bilhões de dólares em todo o mundo este ano, um crescimento de 13,7% na comparação com 2023, de acordo com o estudo do The Influencer Marketing Benchmark Report 2024. A maioria das empresas no Brasil (54%) investiram em ações desse tipo no último ano e duas em cada três (68%) devem aumentar o investimento agora, segundo pesquisa da Influency.me.
A utilização de User Generated Content (UGC), ou, em português, conteúdo gerado pelo usuário, tornou-se uma estratégia central no marketing digital atual. A prática alia um engajamento mais alto e ainda promove os produtos de forma mais autêntica, aproveitando o conteúdo produzido por seus próprios consumidores. As marcas já perceberam que essa estratégia é mais eficaz e estão se aproveitando da linha tênue que existe entre ela e a publicidade para burlar o sistema.
Quem aceita fazer o UGC ganha apenas pequenos prêmios, descontos, comissões na venda dos produtos ou somente reconhecimento público. Afinal, para quem está começando, até mesmo o simples fato de aparecer como propagador de uma grande empresa se torna sinal de destaque.
Um exemplo claro está na ação que a Chilli Beans fez entre abril e maio deste ano. 20 pequenos criadores de conteúdo foram contratados para participar de uma ação de marketing recebendo um cachê de apenas R$ 200. Apesar do baixo valor, 450 pessoas se inscreveram para participar da campanha.
Consumidores, em sua maioria, não gostam de propaganda explícita e preferem um conteúdo mais autêntico, criado de forma orgânica. Quase metade deles (48%) usa o AdBlocker e praticamente 3 a cada quatro (74%) usam formas de bloquear anúncios digitais, aponta pesquisa do Edelman Trust Barometer. O primeiro truque, então, está aqui: ao utilizar UGC, não se sinaliza que o conteúdo é uma publicidade, conforme determina o Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária), aumentando o alcance.
Ainda segundo o Edelman, um relatório de 2019 apontou que 63% dos consumidores jovens entre 18 e 34 anos confiam mais no que os influenciadores dizem sobre as marcas do que no que as marcas dizem sobre si mesmas em sua publicidade. Um estudo da Nielsen reforça essa teoria, trazendo que 92% dos consumidores confiam mais em recomendações pessoais (como o UGC é visto na maioria das ocasiões) do que em publicidade.
Então, a segunda artimanha está caracterizada: as marcas enganam o consumidor fazendo com que uma pessoa passe exatamente a mensagem que ela queria passar, porém com uma penetração muito maior. Por fim, os próprios influenciadores também saem perdendo, já que, em tese, não recebem nada para fazer o UGC, enquanto as propagandas exigem valores significativos.
Vivemos um momento de explosão do número de influenciadores digitais. A democratização das redes sociais permitiu que qualquer um que tenha um smartphone possa criar conteúdos. A alta competitividade também reduz os valores pagos pelas marcas e forçou muitos criadores a aceitar parcerias desvantajosas, trabalhando de graça em troca de produtos ou, como as marcas frequentemente colocam, por "exposição".
Este ‘boom’, que acarretou na desvalorização do trabalho, também indica uma tendência: as empresas devem voltar a colocar verba em macrocelebridades. A Business Insider, a partir de dados da Linqia, já mostrou que isso vem acontecendo nos Estados Unidos.
Além disso, a grande maioria dos criadores de conteúdo não se atenta às questões jurídicas, especialmente para a proteção dos direitos de imagem e autorais. Ao cedê-los a qualquer empresa, mesmo em casos onde não há um contrato formal, como no UGC, assumem o risco de perder o controle sobre como seu conteúdo será usado, podendo até mesmo ver sua imagem ou criações associadas a campanhas que não endossaram.
É muito comum que os grandes influenciadores busquem ter suas marcas próprias, se aproveitando do alto poder de convencimento que possuem. Eles também possuem um melhor suporte jurídico e são mais cautelosos na hora de aceitar qualquer proposta ou pedido da marca, cientes das ameaças existentes.
As marcas, cientes disso, deveriam ter mais cuidado ao explorar o UGC sem a devida compensação ou reconhecimento dos criadores, pois correm o perigo de afastá-los. Se a bolha estourar em um futuro próximo, até mesmo a reputação das empresas poderá ser afetada negativamente pela exploração dos influenciadores.
Os criadores digitais se tornaram figuras fundamentais na comunicação moderna e está claro que o UGC é uma estratégia valiosa. Contudo, seu futuro deve ser pautado por práticas éticas e uma regulação assertiva, que proteja tanto os consumidores como quem divulga as marcas. O mercado evoluiu muito e práticas amadoras, como as vistas no começo da década passada, não podem mais se repetir.
*Maria Eduarda Amaral é advogada especializada em Direito Digital e tem atuado para influenciadoras, agências de marketing de influência e criadoras de conteúdo. É graduada em Direito pela Escola Superior Dom Helder Câmara, pós-graduada em Propriedade Intelectual pelo IBMEC-BH e especialista em Gestão Jurídica e Proteção de Dados Pessoais pelo IBMEC-BH.